Das ferrovias do século XIX à inteligência artificial do século XXI, toda grande revolução tecnológica impulsionou ondas de investimentos em capital — e a maioria desses ciclos termina com o estouro de uma bolha.
Em novembro, a BCA Research divulgou o relatório especial “When Capex Booms Turn Into Busts: Lessons From History”, revisando quatro ciclos clássicos de capex, detalhando a lógica central da transição do boom ao colapso e alertando para os riscos da atual febre de IA.
O relatório identifica cinco padrões recorrentes: investidores ignoram a curva S de adoção tecnológica; projeções de receita subestimam a intensidade da queda dos preços; o endividamento torna-se a principal fonte de financiamento; os picos de preços de ativos antecedem a retração dos investimentos; e o colapso dos investimentos intensifica as recessões. Esses padrões já são visíveis no setor de IA: a adoção tecnológica está estagnada, os preços dos tokens de IA caíram mais de 99%, a dívida corporativa sobe rapidamente e os custos de aluguel de GPU estão em queda.
Com base em paralelos históricos, a BCA Research conclui que o boom de IA repete o ciclo de bolhas anteriores e deve chegar ao fim nos próximos 6 a 12 meses. O relatório recomenda manter uma alocação neutra em ações no curto prazo, subponderar levemente no médio prazo e acompanhar de perto indicadores como revisões de projeções por analistas, custos de aluguel de GPU e fluxo de caixa livre corporativo.
O relatório também ressalta preocupações adicionais no cenário econômico atual: as vagas abertas nos EUA atingiram o menor patamar em cinco anos. Se o boom de IA perder força e não surgir outra bolha para compensar, a próxima recessão pode ser ainda mais grave do que a crise pós-pontocom em 2001.
A BCA aponta que booms de capex nascem do otimismo coletivo quanto ao potencial comercial de novas tecnologias. No entanto, a história mostra repetidamente que esse otimismo frequentemente se descola da realidade da implantação tecnológica, levando ao colapso devido a desequilíbrios entre oferta e demanda, elevação do endividamento e avaliações infladas.
Os booms ferroviários britânico e americano do século XIX evidenciaram o impacto destrutivo do excesso de capacidade.
Segundo o relatório, o sucesso da ferrovia Liverpool-Manchester em 1830 impulsionou um frenesi de investimentos no Reino Unido, com as ações ferroviárias quase dobrando entre 1843 e 1845.
Em 1847, os gastos com construção de ferrovias atingiram o recorde de 7% do PIB britânico. Com o aperto de liquidez, ocorreu uma crise financeira em outubro de 1847 e o índice ferroviário despencou 65% desde o auge.
O relatório cita que o boom das ferrovias nos EUA atingiu o ápice durante o Pânico de 1873, levando ao fechamento da Bolsa de Nova York por dez dias. A inadimplência de títulos corporativos entre 1873 e 1875 representou 36% do valor de face.
Após a malha ferroviária norte-americana ultrapassar 13.000 milhas em 1887, o excesso de capacidade derrubou os preços do transporte e, em 1894, cerca de 20% do total estava em falência.
O boom da eletrificação dos anos 1920 expôs os riscos de estruturas de capital em pirâmide.
O relatório destaca que a eletrificação dos lares saltou de 8% em 1907 para 68% em 1930, principalmente nas cidades.
Wall Street participou ativamente, promovendo ações e títulos de utilities como “investimento seguro para famílias”. Em 1929, holdings controlavam mais de 80% da geração elétrica americana.
Após o crash de 1929, o maior conglomerado de utilities, Insull, quebrou em 1932, supostamente eliminando as economias de 600 mil pequenos investidores. Os investimentos em construção de utilities nos EUA atingiram US$ 919 milhões em 1930 e caíram para US$ 129 milhões em 1933.
O boom da internet no final dos anos 1990 provou que inovação não garante rentabilidade.
A BCA relata que a produtividade dos negócios não agrícolas nos EUA cresceu a 3,1% ao ano entre 1995 e 2004 — bem acima das décadas seguintes.
No entanto, o capex do setor de tecnologia em relação ao PIB subiu de 2,9% em 1992 para 4,5% em 2000, sobrecarregando os balanços das empresas.
O relatório aponta que o fluxo de caixa livre das telecomunicações atingiu o pico no final de 1997, caindo abruptamente em 2000. O NASDAQ Composite multiplicou-se por seis de 1995 a 2000, mas caiu 78% nos dois anos e meio seguintes.
Vários ciclos do petróleo ilustram a natureza cíclica dos desequilíbrios entre oferta e demanda.
A BCA relata que, após uma grande descoberta de petróleo no leste do Texas em 1930, a produção diária ultrapassou 300 mil barris em um ano. Porém, a Grande Depressão derrubou o preço para US$ 0,10 por barril.
Em 1985, a Arábia Saudita abandonou as cotas de produção, levando o preço do barril a US$ 10.
De 2008 a 2015, o boom do xisto nos EUA elevou a produção de 5 milhões para 9,4 milhões de barris por dia. A recusa da OPEP em cortar a produção em 2014 fez o preço cair de US$ 115 para US$ 57 ao final do ano.
Analisando a ascensão e queda de quatro booms clássicos, a BCA Research resume cinco padrões universais que servem como referência para monitorar a febre de IA. Especificamente:
Padrão 1: Investidores ignoram a curva S de adoção tecnológica.
A adoção tecnológica nunca ocorre em linha reta; segue uma curva S — “early adopters, adoção em massa, adotantes tardios”. Os preços das ações geralmente sobem na fase inicial e atingem o pico no meio da segunda, quando a taxa de crescimento da adoção se torna negativa.
É o que se vê em IA: a maioria das empresas planeja aumentar o uso, mas as taxas de adoção real estagnaram e alguns indicadores caíram. Essa diferença entre “intenção e ação” indica entrada na fase tardia da segunda etapa.
Padrão 2: Projeções de receita subestimam a queda de preços.
Novas tecnologias começam com preços elevados, mas, à medida que a adoção avança e a concorrência aumenta, ocorre queda de preços. Entre 1998 e 2015, o tráfego de internet cresceu 67% ao ano, mas o preço por transmissão de dados despencou. Os preços dos painéis solares caíram 95% desde 2007.
No setor de IA, desde 2023, chips mais rápidos e algoritmos melhores derrubaram os preços dos tokens de IA em mais de 99%. Surgem novas aplicações, como geração de vídeo, mas a disposição do usuário em pagar segue incerta.
Padrão 3: A dívida se torna central no financiamento.
No início do boom, empresas financiam o capex com lucros retidos, mas, conforme os investimentos crescem, a dívida se torna a principal fonte.
Em outubro de 2025, a Meta anunciou financiamento de US$ 27 bilhões para data centers via SPEs fora do balanço. A Oracle contratou US$ 38 bilhões em empréstimos e emitiu mais US$ 18 bilhões em títulos, somando quase US$ 96 bilhões em dívidas.
Mais preocupante ainda é o avanço de provedores de nuvem como a CoreWeave. Em outubro de 2025, o CDS da CoreWeave saltou de 359 para 532 pontos-base.
Padrão 4: Picos de preços de ativos precedem queda nos investimentos.
Historicamente, os preços de ativos — como ações — atingem o pico durante os booms de capex, antes da queda efetiva nos investimentos. Mesmo com a redução dos gastos após o pico, o nível absoluto pode permanecer alto, agravando o excesso de capacidade. Investidores que esperam “sinais claros de retração” frequentemente perdem o melhor momento.
Padrão 5: Colapsos de capex e recessões se retroalimentam.
Bubbles tecnológicas normalmente estouram em duas etapas:
A primeira é o fim da especulação e excesso de capacidade; a segunda, o colapso do capex, que puxa a economia e os lucros corporativos para baixo.
O relatório assinala que a recessão dos EUA em 2001 não foi causada por fundamentos fracos, mas pelo colapso do capex após a bolha pontocom. A bolha imobiliária de 2002 compensou temporariamente o impacto, mas não se sabe se outra bolha poderá suavizar um colapso em IA.
Com base em padrões históricos, a BCA Research avalia que o boom da IA repete ciclos anteriores e deve se encerrar em 6 a 12 meses. Vários sinais de risco já aparecem no setor.
Adoção: a implementação real da IA está aquém do entusiasmo dos investidores. As taxas de adoção corporativa seguem estáveis e a disposição dos consumidores para pagar por aplicativos de IA permanece incerta.
Preços: a queda brusca dos tokens de IA indica pressão deflacionária, e o valor comercial de novas aplicações como geração de vídeo ainda é indefinido.
Dívida: as estruturas de capital das empresas de IA dependem cada vez mais de endividamento, e o risco de crédito começa a aparecer para certos players.
O relatório destaca quatro indicadores-chave:
Primeiro, revisões de analistas nas projeções de capex futuro — caso o otimismo se estabilize, isso sinaliza alerta;
Segundo, custos de aluguel de GPU, em queda desde maio de 2025;
Terceiro, fluxo de caixa livre das empresas de hyperscale, que, apesar de ainda alto, mostra deterioração;
Quarto, um “momento de inflexão do mercado” — quando ações de empresas de IA caem após anúncio de grandes projetos, indicando mudança de sentimento do mercado.
A BCA Research recomenda uma estratégia de investimentos “moderadamente defensiva”: no curto prazo (três meses), manter alocação neutra em ações; no médio prazo (12 meses), subponderar levemente; e, nos próximos meses, elevar ainda mais a defesa.
Investidores devem monitorar atentamente os quatro indicadores acima, evitar esperar sinais claros de queda nos investimentos antes de ajustar a carteira e considerar setores defensivos e títulos de alta qualidade para proteger contra oscilações em ativos ligados à IA.





